[23.12.06]

[Eu lembro um Natal]


Eu lembro que minha avó tinha uma amiga que sempre aparecia na casa dela no dia de Natal. As crianças - eu, minha irmã e meus dois primos - não gostavam dela de jeito nenhum. Todo ano era a mesma coisa: minha avó ligava com duas semanas de antecedência a convidando a dar uma passada lá. Ela sempre agradecia o convite, mas dizia que não poderia ir. E ela sempre aparecia por volta das 21:00. A tal passava horas lá, falava alto, roubava todas as atenções, não nos deixava assistir à TV - minha avó não queria que o aparelho atrapalhasse a conversa -, atrasava a entrega dos presentes - vovó não havia comprado nada para ela e, por isso, ficava constrangida em distribuir os presentes - e comia as comidas da ceia antes da oração - o que era especialmente injusto, pois nós levaríamos uma bronca se fizéssemos o mesmo. Em um Natal, decidimos nos liberar da opressão da visita. Colocamos uma vassoura atrás da porta para ver se ela ia embora logo. E não é que funcionou? Ela ficou só uns 10 minutos. Ficamos tão felizes que esquecemos de devolver a vassoura para o lugar. Foi uma risadagem geral quando a encontram e quando nós confessamos nosso plano. Desde então, esta virou a anedota natalina preferida da minha família.

Lembro um Natal em que eu queria muito, muito ganhar uma boneca chamada Magic Face. Minha família, que adorava judiar de mim por eu ser a mais nova e meio bobinha, dizia que não ia dar, que não tinham encontrado a boneca e que meu presente seria uma roupa. Eu fiquei com uma pontinha de tristeza, mas me conformei. Na noite de Natal, eu fui a última a ganhar o presente. Minha tia veio com uma caixa. Lembro que meu coração batia acelerado com a perspectiva daquela embalagem conter a minha querida boneca. Juro que um dos momentos da minha vida em que me senti mais feliz foi aquele em que rasguei o papel e vi a Magic Face. Eu não sabia se ria, se chorava, se corria, se pegava a boneca. Ela foi um dos meus brinquedos preferidos. Ficou aqui em casa um bom tempo, até ser doada. Fico imaginando se a criança que a recebeu se sentiu tão feliz quanto eu naquele dia.

Certa vez eu passei o ano todo economizando dinheiro do lanche para comprar presentes de Natal para a minha família. Consegui comprar uma besteirinha para cada um: um isqueiro para meu pai, caixas de bombons para minha irmã e primos, um prendedor de cabelo para a minha mãe... Fiz questão de que ninguém me ajudasse nas compras e de embalar tudo sozinho - vale salientar que as embalagens ficaram tosquíssimas devido a minha completa falta de habilidade manual. Depois de todo mundo ter dado os seus presentes, comecei a distribuir os meus. Foi um orgulho enorme para mim, na época com uns oito anos, conseguir fazer isso sozinha e ainda receber elogios. Essa pequena conquista me deixou muito mais feliz do que ganhar uma boneca.

Lembro de quando passei a não gostar mais do Natal. Houve algumas brigas na minha família e algumas pessoas deixaram de se falar. O Natal passou a ser deprimente: certas pessoas se recusavam a estar no mesmo cômodo ao mesmo tempo, faziam implicâncias e davam indiretas um para o outro, um tentava atrair mais atenções que o outro e, na hora da oração, escutávamos aquele sermão sobre a necessidade do perdão, de tratar bem o seu semelhante e todos se achavam os melhores cristão do mundo porque rezavam. Era uma hipocrisia sem fim. Tinha vontade de não ir para a casa da minha avó só para não ter que presenciar esse espetáculo. Por muitos anos, o Natal era a época do ano que me deixava mais triste. Depois eu percebi que não fazia sentido estragar a minha festa por causa da imaturidade dos outros. O espetáculo continuo a existir, mas deixou de ser deprimente para mim.

Lembro que no ano passado minha tia resolveu me dar um coração de pelúcia medonho, daqueles que têm bracinhos. Qualquer pessoa que me conhece minimamente sabe que eu acho aquilo brega e de extremo mau gosto. Mas, aparentemente, minha tia não tinha idéia disso. Ela veio me dar o presente, toda feliz. Quando vi o que era, respirei fundo, abri um sorriso e disse: "nossa, tia. Que coisa mais linda. Era exatamente o que eu queria ganhar". Sempre que ela vem aqui em casa, tiro o coração do armário e o coloco em cima da cama. Não custa nada fazer uma pessoa feliz de vez em quando.

Fico imaginando que tipo de recordações terei das festas deste ano. Desejo um feliz Natal para todos.


Por Lady Sith às [23:44]

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